Por Augusto Fonseca da Costa*
O excelente vídeo de Tatiana Mandelli, empresária do setor moveleiro, cujo link colo ao final, me inspirou a refletir mais a fundo sobre as dificuldades enfrentadas pelo meio empresarial brasileiro.
Com ouvidos moucos, recentemente empresários brasileiros tentaram, com abordagem puramente negocial de aspectos econômicos, resolver junto ao governo americano as sanções contra o Brasil.
Sobre essa surdez seletiva cabe aqui uma pequena digressão, sobre a diferença entre ouvir e escutar.
Ouvir é um ato involuntário e passivo de captar sons, um processo mecânico do sentido da audição.
Escutar é um ato intencional e ativo de prestar atenção, compreender e processar o som ou a mensagem, e envolve foco, concentração e especialmente: a capacidade de interpretar o que foi dito de modo isento.
Essa viagem e essa estratégia como um todo foram, no mínimo, afobadas e renitentes, mostrando que esses empresários apenas ouviram, com certo viés resistencial, sem na verdade escutar, tudo que trovejou em alto e bom som aqui mesmo no Brasil e foi por todos nós bem compreendido.
Por isso que o vice-secretário de Estado americano foi obrigado a lhes proferir professoralmente a indigesta frase “Façam lobby em Brasília, não em DC” (no Distrito Federal e não no Distrito de Columbia, sede do governo dos EUA), reiterando que o motivo das sanções não é econômico, e sim oriundo de nossa torpe política doméstica e externa, e de nosso ditatorial sistema judiciário.
Deixou claro, para esses surdos voluntários, que não é lá que está a solução, mas sim aqui mesmo, enfrentando a tão decantada democracia pujante (relativa ?) e o impecável estado de direito (com minúsculas mesmo) – esses dilúvios de ficções midiáticas e institucionais que diuturnamente deságuam sobre nós.
Mas não basta apenas trocar DC por DF, mesmo que aqui se consiga, pela via política apoiada pela opinião pública, mitigar os desvios de nossa democracia, os arbítrios e covardias de alguns dos poderes da nossa república, a falta de liberdade de opinião e até de pensamento, e outras mazelas de nosso conturbado cotidiano institucional, porque esta é uma condição necessária, mas não suficiente.
Há, no mínimo, duas mudanças urgentes e concomitantes que, se adotadas, podem criar uma chance não só de reverter as sanções impostas, mas também de retomarmos o caminho do desenvolvimento.
A primeira, e talvez a principal virada salva-vidas, seria desatar o alinhamento de nosso governo, e consequentemente de nossa diplomacia, com ditaduras mundiais antagônicas à democracia e às liberdades, ambos fundamentos ideológicos viscerais dos EUA, pois estas tiranias são suas inimigas no aspecto ideológico, político e até militar, algumas delas aos gritos de “Morte à América” – ou pior.
A segunda mudança de rota seria decidir, e provar, que voltaremos a ser adeptos da verdadeira mentalidade de livre empresa, outro pilar do tripé no qual se baseia não só a cultura americana, mas toda a cultura e economia ocidental – as únicas vertentes de ideias a merecer o nome de “Direita”.
Essa Direita legítima é que, a um só tempo, oportuniza a todos empreender, gerar empregos, impostos, produtos e serviços de qualidade a preços competitivos, sob a regulação automática, implacável, incorruptível, da livre concorrência, e não sob o monitoramento artificial e ineficaz do tacão do Estado, via controle de preços nas pontas do atacado e/ou do varejo.
Para isso nós, partidários e admiradores da livre iniciativa de fato e não do regime chinês, precisamos nos apartar dos cartéis oligopolistas maciçamente representados por setores da CNI, FIESP, Faria Lima, FEBRABAN, e vários setores da ex-imprensa livre, que vivem em um arremedo de capitalismo, o de conchavo incestuoso com governos mais de esquerda, por serem defensores do Estado gigante, onipresente, onipotente e burocrático, e por tudo isso mais permeável a desvios e à corrupção.
Essa casta de “amigos do rei” nem precisa ter COMpetência, só estes CONchavos, e devido a essa troca de COM versus CON, nosso país como um todo cai do bonde da evolução tecnológica, perde cérebros, patentes, mercados, e se condena eternamente a um papel de reserva extrativista, exportador de commodities sem valor agregado, enquanto mantém um mercado interno consumidor de quinquilharias refugadas pelos mercados do primeiro mundo.
O Brasil vive a versão moderna da troca do ouro pelos apitos e espelhinhos da época do descobrimento.
O problema não está só em Brasília, está principalmente dentro de nossas cabeças empresariais, viciadas em buscar vantagens junto a um Estado que se especializou em criar dificuldades para vender facilidades, cercado por uma legião de acólitos a apoiar sua opaca, elitista e injusta liturgia.
Nesse mega-Estado viceja algo muito pior que as sanções econômicas que sobretaxam importações de produtos brasileiros, como impôs Trump por motivos não só econômicos, mas principalmente de coerência ideológica.
Trata-se de um verdadeiro dumping intestino, alegremente auto-infligido como pedágio e expiação de imaginárias culpas por violar crenças nas utopias politicamente corretas, tudo resultando em um ambiente de negócios áspero para empresários estrangeiros aqui investirem, e em um cenário ainda mais pedregoso para o frágil empreendedor nacional.
E fazemos isso exacerbando hiper-regulações ambientais, sanitárias, indigenistas, quilombolistas, fundiárias, com apoio a invasões de propriedade, e outras barreiras não financeiras, nem tributárias.
Tudo em um contexto já de insegurança jurídica, legislação trabalhista excessivamente protecionista ao trabalhador, desestimulando as contratações, tributação crescente e outros obstáculos.
Além disso nos pesa a morosidade e a ineficiência dos processos da gestão pública que perpetuam os déficits fiscais, obrigando taxas de juros que desoxigenam o financiamento de projetos por gerar o irresistível custo de oportunidade que suga os capitais, ao premiar a especulação e o rentismo.
Com todo o setor produtivo chafurdando em meio a esse cipoal regulatório que lhe impõe enorme desvio produtivo e uma agenda não construtiva, mas defensiva, nossos produtos agregam um custo-Brasil que gera inflação interna e baixa competitividade nos mercados nacional e internacional, abrindo espaços intra e extrafronteiras, que seriam nossos, para produtos forasteiros mais destravados.
As lutas inglórias dos empresários brasileiros lembram a mitologia grega, onde Hércules, a cada cabeça que cortava da Hidra de Lerna, via nascerem duas, ou Sísifo, condenado a rolar eternamente uma pedra morro acima apenas para vê-la rolar abaixo.
Imitamos os despóticos big-Estados esquerdóides do terceiro mundo, ao abrir reservas de mercado para as big-techs, big-mídias, big-bancas e outras gigantescas corporações multinacionais com as quais nosso empreendedor comum jamais poderá concorrer.
Por isso que algumas destas autocracias vêm sendo há décadas estimuladas, ou no mínimo toleradas, pelos países desenvolvidos, que agem sob pressão de suas megacorporações empresariais.
Temos muitos, mas não precisamos de nenhum desses inimigos externos pois, com nossa arrogante e desviada soberania, e nossa cegante e desinformada altivez, cavamos com eficácia nossa própria sepultura, no que talvez só um neologismo, que me permito cunhar, resuma: arrognorância.

*O autor é médico e empresário.
Fonte Extra com inf. Caio Gottlieb