Por Jairo Eduardo*
Canário será meu último prisioneiro; pássaros engaiolados não cantam, lamentam…
Sempre gostei de pássaros, desde menino. Gostava tanto que atirava pedras, mamonas e até bolitas neles para enxergá-los de mais perto.
Crime hediondo, caçar pássaros. Era algo cultural em minha geração. Uma mancha irremovível de minha infância.
Eu, que sempre fui desajeitado para atividades manuais, aprendi fazer estilingues.
Tirava a “língua” do sapato velho para fazer a “maia”, mutilava a espirradeira de minha mãe (árvore que dá o cabo da “cetra”) e comprava na farmácia meio metro de garrote para fazer o papel da borracha de outros tempos. Estava pronta a arma letal.
Cometi a insanidade de – mais tarde – ensinar meus filhos a confecciona-la. Menos mau que não usaram para maltratar aves.
Já adulto, cometi outros erros: cultivar pássaros em gaiola. Era papagaio, calopsita, mandarim, periquitos. E ele, o Bob, canário belga.
Bob é um sobrevivente. Foi atacado pela Branquinha, gata danada que correu pela casa com o Bob entre os dentes. O canário sobreviveu a isso.
Depois o ataque veio de um gambá faminto, mesmo contundido, Bob encontrou uma fenda na gaiola para se salvar com algumas penas a menos e uma lesão na asinha.
Percebo com bastante atraso que pássaros não são felizes em cativeiro.
Ave na gaiola não canta, lamenta! De outro lado, me deparo com algo inescapável: se eu soltá-lo, Bob será presa fácil de predadores e não irá sobreviver sem ser alimentado por um tutor. É cativeiro ou nada.
Também desconhecemos como os criadores/comerciantes tratam esses bichinhos. Desconfio que há maltratos no processo. De outro lado, o Bob não existiria se não gerasse lucro para alguém.
Como não é possível perguntar a ele se preferia ter nascido para viver preso ou se teria sido melhor nem sair do ovo nessa condição, fica a lição: não irei mais fazer parte dessa cadeia, Bob, o sobrevivente, é meu último prisioneiro.
* Jornalista, editor do Pitoco e cronista da rádio T. Interaja com o editor: pitoco@pitoco.com.br. WhatsApp: 991131313
Fonte Extra
